sábado, 10 de agosto de 2013

Um Pouco da Luta e Conquista de Isaac Piyàko


Eu nasci em 20 de fevereiro de 1972 no Rio Amônia. Dos sete irmãos sou o terceiro filho de Antonio Piyãko e de dona Francisca Oliveira da Silva (Pití).Lembro que até os 15 anos o que sabia da escrita eram algumas letras do alfabeto que minha mãe me ensinava, dizendo que um dia nós íamos entrar na escola para aprender a ler e a escrever e eu não acreditava.

Em todo esse tempo até os 15 anos aprendi muito sobre como viver em família, em sociedade, com a floresta e seus recursos. Meus pais diziam:“meu filho para você viver tem que saber caçar, pescar, plantar, e saber construir sua moradia”.Isso foi muito valioso e tenho como grande parte de todo meu conhecimento. Nesses tempos eu lembro que só para aprender a fazer uma casa era muito detalhe, tinha que saber sobre as fases da lua que era para tirar a madeira no dia certo, tipo de madeira que era boa para casa, tipo de terra boa para construir a moradia, e outros. Da mesma forma era feito com os plantios, as pescarias e as caçadas. Tudo tem uma ciência de como fazer. Fui aprendendo tudo que precisava para sobreviver sem ter contato com a escola formal.
Em 1989 aos 17 anos sai da aldeia para estudar em Cruzeiro do Sul onde fiquei um ano estudando e fiz do 1º à 4º série, sendo alfabetizado no mundo da escrita, aprendendo um pouco a ler e escrever textos. Em 1990 voltei para aldeia,e em 1992 fui escolhido para ser o primeiro professor da aldeia. Nessa nova missão, deixando de ser apenas um caçador, plantador e pescador, passei ater mais uma função que era dar aula, coisa que era novidade, pois não sabia por onde começar e nem o que ensinar. Mesmo assim, enfrentei essa nova profissão passando a ter uma responsabilidade de ensinar as crianças e jovens da aldeia a dominarem o mundo da escrita.


Com essa nova missão em 1993 fui convidado pela Comissão Pró-Índio do Acre para participar dos cursos de formação de professor indígena diferenciado e específico para os povos indígenas.  minha formação foi de forma modular, ficando 60 dias no curso e o restante do tempo na aldeia dando aula, escrevendo nos diários de classe o que ensinava para os alunos nos períodos do curso presencial, sendo este material posteriormente avaliado pelos colegas e professores do curso. Em 2000 terminei o ensino médio com magistério indígena, fui diplomado para trabalhar como professor na Aldeia Apiwtxa do povo Asheninka do Rio Amônia. Nesse período da minha formação ajudei a organizar as políticas da Educação Escolar Indígena criando a OPIAC - Organização de Professores Indígena do Acre no ano de 2000, junto com os demais professores indígenas que participavam dos cursos junto comigo. 

Através dessa organização ajudei a reivindicar junto os parceiros, Comissão Pró-Índio do Acre e outros da Universidade Federal do Acre a criação do curso superior para professores indígenas. Com a criação do curso superior em 2008 considerei que meio caminho da minha luta estava concluído, e tinha que fazer parte da primeira turma que ia prestar o vestibular para ingressar no curso no ano de 2008. Fui o segundo colocado na classificação do vestibular e fiquei muito contente por iniciar a formação de nível superior. Fiquei quatro anos na Universidade em Cruzeiro do Sul e foi uma experiência muito grande, onde pude ver que ainda há muito a ser feito pela universidade para atender a população.

Para concluir meu curso pensei primeiramente em fazer uma pesquisa sobre a educação escolar dentro da nossa cultura. Posteriormente mudei para estudar as palmeiras e suas potencialidades na cultura Ashenĩka, pensando na realização do manejo dessas espécies para as futuras gerações e resguardando as relações culturais do povo com as mesmas. Isso porque se percebe que as palmeiras precisam de políticas que garantam o seu manejo, tanto internamente como no entorno de nosso território. Para isso tento mostrar nesse trabalho duas diferentes formas de fazer o manejo: uma delas é a forma do manejo tradicional e a outra é do manejo atual que vem sendo trabalhado há quase 20 anos pelo povo Ashenĩka após a demarcação do território.

Nesse percurso de 1989 a 2013, passando 24 anos de luta para ter meus estudos, posso contar que agente sofreu muito. Tem que ser guerreiro, acreditar muitas vezes na sorte, e apostar em algo sem saber se vai dar certo ou não. 
Agora que concluir meu curso vou me dedicar a escrever mais sobre meu povo os conhecimentos, os projetos de futuro e outro saberes que faltar ser falado.