Eu nasci em 20 de fevereiro de 1972 no
Rio Amônia. Dos sete irmãos sou o terceiro filho de Antonio Piyãko e de dona
Francisca Oliveira da Silva (Pití).Lembro que até os 15 anos o que sabia da
escrita eram algumas letras do alfabeto que minha mãe me ensinava, dizendo que
um dia nós íamos entrar na escola para aprender a ler e a escrever e eu não
acreditava.
Em todo esse tempo até os 15 anos
aprendi muito sobre como viver em família, em sociedade, com a floresta e seus
recursos. Meus pais diziam:“meu filho para você viver tem que saber caçar,
pescar, plantar, e saber construir sua moradia”.Isso foi muito valioso e tenho
como grande parte de todo meu conhecimento. Nesses tempos eu lembro que só para
aprender a fazer uma casa era muito detalhe, tinha que saber sobre as fases da
lua que era para tirar a madeira no dia certo, tipo de madeira que era boa para
casa, tipo de terra boa para construir a moradia, e outros. Da mesma forma era
feito com os plantios, as pescarias e as caçadas. Tudo tem uma ciência de como
fazer. Fui aprendendo tudo que precisava para sobreviver sem ter contato com a
escola formal.
Em 1989 aos 17 anos sai da aldeia para
estudar em Cruzeiro do Sul onde fiquei um ano estudando e fiz do 1º à 4º série,
sendo alfabetizado no mundo da escrita, aprendendo um pouco a ler e escrever
textos. Em 1990 voltei para aldeia,e em 1992 fui escolhido para ser o primeiro
professor da aldeia. Nessa nova missão, deixando de ser apenas um caçador,
plantador e pescador, passei ater mais uma função que era dar aula, coisa que
era novidade, pois não sabia por onde começar e nem o que ensinar. Mesmo assim,
enfrentei essa nova profissão passando a ter uma responsabilidade de ensinar as
crianças e jovens da aldeia a dominarem o mundo da escrita.
Com essa nova missão em 1993 fui
convidado pela Comissão Pró-Índio do Acre para participar dos cursos de
formação de professor indígena diferenciado e específico para os povos
indígenas. minha formação foi de forma modular, ficando 60 dias no curso e
o restante do tempo na aldeia dando aula, escrevendo nos diários de classe o
que ensinava para os alunos nos períodos do curso presencial, sendo este
material posteriormente avaliado pelos colegas e professores do curso. Em 2000
terminei o ensino médio com magistério indígena, fui diplomado para trabalhar
como professor na Aldeia Apiwtxa do povo Asheninka do Rio Amônia.
Nesse período da minha formação ajudei a organizar as políticas da Educação
Escolar Indígena criando a OPIAC - Organização de Professores Indígena do Acre
no ano de 2000, junto com os demais professores indígenas que participavam dos
cursos junto comigo.
Através dessa organização ajudei a reivindicar junto os
parceiros, Comissão Pró-Índio do Acre e outros da Universidade Federal do Acre
a criação do curso superior para professores indígenas. Com a criação do curso
superior em 2008 considerei que meio caminho da minha luta estava concluído, e
tinha que fazer parte da primeira turma que ia prestar o vestibular para
ingressar no curso no ano de 2008. Fui o segundo colocado na classificação do
vestibular e fiquei muito contente por iniciar a formação de nível superior.
Fiquei quatro anos na Universidade em Cruzeiro do Sul e foi uma experiência
muito grande, onde pude ver que ainda há muito a ser feito pela universidade
para atender a população.
Para concluir meu curso pensei
primeiramente em fazer uma pesquisa sobre a educação escolar dentro da nossa
cultura. Posteriormente mudei para estudar as palmeiras e suas potencialidades
na cultura Ashenĩka, pensando na realização do manejo dessas espécies para as
futuras gerações e resguardando as relações culturais do povo com as mesmas.
Isso porque se percebe que as palmeiras precisam de políticas que garantam o
seu manejo, tanto internamente como no entorno de nosso território. Para isso
tento mostrar nesse trabalho duas diferentes formas de fazer o manejo: uma
delas é a forma do manejo tradicional e a outra é do manejo atual que vem sendo
trabalhado há quase 20 anos pelo povo Ashenĩka após a demarcação do território.
Nesse percurso de 1989 a 2013, passando
24 anos de luta para ter meus estudos, posso contar que agente sofreu muito.
Tem que ser guerreiro, acreditar muitas vezes na sorte, e apostar em algo sem
saber se vai dar certo ou não.
Agora que concluir meu curso vou me
dedicar a escrever mais sobre meu povo os conhecimentos, os projetos de futuro e
outro saberes que faltar ser falado.